domingo, 25 de outubro de 2009

Meia Noite Cigana em sangue

Relato de um Tropeiro de Viamão, 13 de Outubro de 1922.

Ponta Grossa, um beco perto ao Largo da Estação, 11:46 pm.


Barba afeita, saindo do hotel, noite fria avisto uma fogueira, me corre nos ouvidos os gritos escandolosos que combinavam-se ao som das batucadas de uma viola marota. O fétido odor de creolina se fazia representar nos vagões estacionados. Mais uma vez a visão do horizonte das ruas violentava minha visão, eu não fugia impune naquele vento que mais parecia um minuano, como se estivesse meio aos birivas (moradores da cerra).

A tropeirada invadiu o centro da cidade civilizada, juntamente com uma porção de personagens do Circo Stefanovitch que estava instalado ao leito dos trilhos indo pra as Oficinas (o bairro mesmo). O cheiro de vodka ucraniana e de carne mal curtida exalava aos arredores, a patrulha sabia o que acontecia, mas esperava o momento certo de intervir. Aquele beco parecia o Bunker dos vagabundos.

"A la pucha", eu a a vi, uma odalisca zingara (mulher cigana) começou a se desnudar ao olho de todos os homens que por ali passavam, sua badana (pele) era macia, una chinoca buenacha. Para além do rodeio daquela tropa em torno da fogueira, famílias ali passavam e viam com desprezo e asco vomitante o que me agraciava ver, aquela pinta ao lado de sua virilia. Tão sobressalente ao seu corpo morenado mouro. Aquele pontico provocava as maiores sensações no meu espiríto, sua honestidade era provada naquele sinal, dançava ela, dançava com toda inocência em meio a seus amigos que não possuíam um olhar pervertido sobre uma de suas irmãs. Aquele sinal da identidade se combinava ao seu cabelo liso escorrido, caspento em suas raízes e oleoso por todo seu comprimento.

A admiração daquela pintura paisana foi interrompida ao ladrar dos cachorros, anunciava-se... a caravana chegara, descendo o cacete em todo mundo, não se poupando frente a anões de picadeiro, ao palhaço ainda maqueado ou a velhos racticos... O sarrafo desceu, a pelea foi buena, o pau comeu, paulada na cara, chute no estômago, era uma luta bem desproporcional.

A caudilhada (polícia) carregava a bandeira nacional, estavam em 15, enquanto aqueles corpos desfavorecidos estavam em 7... A bruacada (gente feia) apanhou que nem guri grande, os uniformes azul-anis contrastavam com o sangue que escorria, a poeira levantava naquela cidade embarrada pelas chuvas da primavera. A carroça-camburão levou todos, até minha saudosa china (mulher bonita) e sua pinta sobrelevada.

*O relato é inspirado num boletim de ocorrência que se encontrado no acervo do Laboratório do Bloco de História da UEPG.

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