sábado, 26 de março de 2011

Peculiaridades do povo paranaense


Membros do Clube 13 de Maio (19??). A presença dos negros na História paranaense durante muito tempo foi omitida nas páginas dos livros por pesquisadores e historiadores. A justificativa principal para a ausência do "fator negro" na formação étnica no Paraná resultava do fato de serem infímas as fontes sobre o negro no Paraná. Fica evidente, entretanto, que o principal motivo se deve às chagas e às cicatrizes geradas pela escravidão. Ainda assim, se tornou impossível negar a existência do negro entre a população paranaense nos últimos anos. Além de a historiografia ter se adiantado nos últimos anos, se torna necessário relevar também o fator de organização dos negros em sociedades, associações e em mais de 90 comunidades quilombolas em todo estado. Dessa forma, se tornou impossível negar a existência do povo negro no Paraná. Os números também tornam essa evidência mais indiscutível. Hoje, eles representam 24%, o que confere ao Paraná a maior população negra do Sul do país. As senzalas foram destrancadas das fazendas tradicionais do Paraná, como é o caso da Fazenda Capão Alto, assim como se registra diversas Igrejas de negros no Paraná.

Peculiaridades do povo paranaense


Exército paranaense, muito parecido com o que lutou no Contestado em 1916. O 13o. Regimento de Infantaria reside e se chama "Sentinela dos Campos Gerais"

sábado, 26 de fevereiro de 2011

A verdadeira Princesa dos Campos

Ponta Grossa, Era do individualismo e das potências industriais que varriam o verde dos Campos Gerais
(em co-autoria do sonho incosciente de Drielly Taques)

11/02/1973

17 anos.
Ainda lembro daquela garota, filha de um empresário que possuía dois lotes no Parque Industrial da Cidade Cívica, e civilizada, do Paraná, seu nome ninguém lembra, mas toda elite social a conhecia por Lili. Tinha um jeito estranho, sempre dormia com seu drink na mão em todas as festas, bailinhos de debutantes e carnavais que rolavam a High Socety princesina...

Se sentia uma verdadeira prisioneira daquela vida social de aparências e futilidades, caída e bêbada nos lounges bars, derramava vodka absolut e martini nos pés alheios, um vexame social... E eis que o sonho de todas aquelas dondocas caretas e de vestidinhos rosa eram a realidade da jovem Lili.

Mal vista e detetizada da vida , foi expulsa do colégio de freiras e de todos, passou a andar sozinha pelas vilas, carregando uma bolsa até que um dia foi atropelada por uma Kombi Rasta em fuga da polícia. Foi socorrida por aqueles membros da Sociedade Alternativa para ser levada Santa Casa. Num banco rasgado e defumado deitou-se e num instante sentiu a marofa que vinha da frente, logo tomando o baseado da mão do motorista, expirando para o alto aquela leve fumaça que a faria sentir outra mulher.

Nunca mais foi a mesma!
Sei que sua loucura possuía um único motivo, aquela sociedade não merecia sua lucidez.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

La Cittá Civilittá parte IV - "Il Amico"



Um grito, na verdade queria ser uma cantoria...

Conhecia aquela música, um sujeito de barba fechada e grossa destoava una vera tarantela calabresa (mas às 7:00?)...
Qualquer italiano que se prese, vindo desde Luca até a Sícilia, toma logo conhecimento, mesmo com uns vinhos na cabeça, que a tarantela não se canta logo cedo assim. Aquele baita maschio, sua vestimenta denunciava-se perante o meu desmerecido abito. Logo ele havia atravessado a rua dançando com um garrafão de vinho na mão, seu Elias gritava: "má non vai quebrá é", parecia ele mesmo um italiano também. Foi o primeiro momento em que me senti em casa, o ambiente antes carregado logo se tornava mais agradável, (apesar de o cheiro ser o mesmo) as pessoas sorriam e logo eu me recordava da minha infância quando ainda bambino ia com papa até a adega duma das ruelas de Napoli e colocava minha mãozinhas (manozinas) no balcão para ver o papagaio (Paco) do dono da venda, de repente após beber um copo de vinho papai já mudava e me respondia com um tapa...

Logo meu pensamento foi interrompido por um bater nas costas, enquanto cantava nosso tenor eu seria servido pelo mesmo do mais caro vinho daquela orrenda bodega... Pela primeira vez, em uma semana que estava naquela cidade, eu sentia a mão de um amigo batendo forte nas minhas costas (é, ele parecia estar muito bêbado e não ter noção da força). Percebi então, como a linguagem da música era simbólica, enquanto ele declamava uma antiga música que ele dizia italiana. Uma ópera, o enredo falava de um palhaço humilhado pelo seu público num circo, o tom melancólico descrevia cena por cena de uma peça onde da angústia do personagem principal ele passa para a malvadez criada entre os seus sentimentos. Sua reação foi roubar todo dinheiro do proprietário da caravana e queimar a lona do circo enquanto todo o povo de uma cidade assistia o espetáculo do trapezista. A história se passava num vilarejo na antiga Transilvânia. Aquela vingança representava não somente o ódio, mas também a forma como alguns seres se aproveitam da ignorância alheia. Isso tudo ele, o tenor, havia me explicado logo depois, pois de sua pronúncia era difícil extrair alguma coisa de italiano, eu não entendia nada:

(...)
"Tu soi palaccio,
tu soi ridi per te,
tua vita é questa
un palaccio
(...)

Impossível compreender somente pela música.
Saímos juntos do Marieta, ele marcou nossa despesa numa conta (já devia mesmo dois meses de salário lá). Um homem de 30 e poucos, solteiro. Perguntou meu nome e o que fazia ali, tão logo respondi em tom mais elevado que da primeira vez e contando que estava procurando emprego e uno moradia, uno aparttamento.

Eu desconhecia o motivo, mas aquele personagem típico me parecia próximo, como algo que eu procurava ser, algo dentro de mim. Contava ele que desocuparia um apartamento na semana que vem, ele estava saindo pois nenhum ponta-grosseiro (acho que é assim que se chama o cidadão daqui) queria morar com ele por algum motivo que eu desconhecia. Logo a contemplação do acaso, contei que vinha da Itália, havia passado por Santos e abarcado na cidade princesesca a menos de uma semana. Nos dirigimos ao local onde morava. Sua reação foi totalmente receptiva me chamando de irmão, gritando e cantando uma ópera que eu não compreendia (compreendere) muito bem.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

La Cittá Civilittá parte III - "Il Umbriaco"

Transcrição da agenda de Francesco Reale.
19 de Setembro de 1933, 7:30 a.m.

Entra em cena...

Madrugada fria passara, agora é hora do lavoro (trabalho).
Passo rua por rua, olho no olho daqueles homens, reparo em disposição, vontade, valor, moral... O jornal nem chegou às portas do comércio citadino ainda contando histórias do mundo todo, porém, mais sensível para mim parecia o olhar sincero daqueles homens... Um polaco ucraino chegava ao lado do Armazém estacionando com seu carroção coberto de pepino azedo, cebola, batata e já ia descarregando aquelas conservar na bodega mais próxima. O cheiro de vinagre exacerbava-se aos olfatos de todos, os olhos lacrimejavam quando abria-se aquela grande compota no Bar Marieta do Seu Elias, um portuga um pouco arrogante, comerciante tradicional do Largo da Estação.

Sua primazia não era nada ponderava, bigodes rústicos simbolizavam o poder, não sei se era simplesmente minha pessoa ou implicância minha, mas não era somente seu estabelecimento, seu corpo fedia sovaco há alguns bons 5 metros de distância, parecendo que não tomava banho há um mês ou sequer sabia o que era aquilo... A segunda hipótese é mais provável...

Enfim, não seria de meu agrado, mas o porteiro do prédio me recomendou ir até o Marieta, pois lá rolavam as mais promissoras oportunidades de emprego da região. Achei essa afirmação um tanto contraditória com o ambiente daquela bodega.
Passa o tempo e já se avistava a chegada dos trens, Elias reclamava: "Nossa Senhora de Fátima, minha mãezinha, agora vou ter de atender esse pessoal", não entendia sua reclamação, se não queria atender o pessoal que fechasse a bodega. Procurei nos editais do bar se havia algum anúncio de emprego e nada, somente se falava de um tal Baile do Chopp Escuro que ocorreria no sítio dos Hilgemberg. Enfim, sentei num dos balcões, aquele velho torceu seu bigodão e ficou me olhando daquele jeito tradicional dos habitantes princesinos (o olhar de poco vedere):

- Que era pra ti piazote?
- Por enquanto estou esperando um amigo - acanhado respondia a primeira coisa que me veio a cabeça, eu entrava no jogo deles, ao invés de fazer o que devia: eu mentia.

Desconversei, mas ele já me observava dos pés a cabeça como se não devesse estar ali sem consumir nada. Dos fundos do bar, dentre um corredor de grades de cerveja, fechando o zíper da calça até a metade a achando que "assim tá bão", aparece Ele... Parecia estar a dias ali, sendo conservado no álcool e na salmoura do picles azedo, conhecido por todos como Silveira. Ninguém parecia gostar dele, madrugava pelas ruas e já havia perdido todos os empregos possíveis na vida de um homem.

Aquele corredor era mirado pelos olhares de toda classe operária local, ouvia-se murmuros de boca em boca. Ele já havia sido funcionário da estação, na época bem afeiçoado, jovem, foi colocado pra cuidar de uma catraca... Poderia estar ocorrendo o inferno de Dante, ele só deveria grudar seus olhos igual chiclé de bola naquela roleta que fazia téc-téc quando algum funcionário passava ele só deveria dar "BOM DIA", era só isso. Ganhava bem, havia recebido do chefe da companhia uma casa após o primeiro ano de tão empenhado trabalho, os ferroviários o reconheciam pelo seu desempenho de monitorar o téc-téc. Até um dia, em que a cabine onde trabalhava ficou 5 minutos sozinha, aconteceu um roubo na estação, o bandido está até hoje fugindo.

O estagiário Claudir Tochansky caguetou o ocorrido ao chefe da estação que logo foi de punho em punho na gole do uniforme de Silveira o acusando de estar bêbado, de que havia saído para ir a um bar. Silveira por sua vez foi para pronunciar algumas palavras para responder logo foi recebido pelos socos e pontapés dos seguranças da estação, antigos colegas de trabalho seu, logo o estavam enchotado estação à fora aos gritos de "Cala-te vagabundo". Havia sido despejado da cada onde morava, teve sua mobília jogada na rua por ordem do próprio estagiário, quando foi se dirigir a Tochansky afim de entender o que havia ocorrido, logo foi recebido aos socos por um dos carregadores da mobília. Na rua, Silveira assumiu, não o que havia feito, mas do que havia sido acusado de ser... Luterano que nunca havia colocado um gole de álcool na boca, logo se tornou o bêbado mais importunante da cidade.

Noutra situação, foi contratado pela Cerraria Guindanski. A polacada gostava dele, sua função era anotar as carroças com os pinheiros derrubados que logo chegavam para ser serrados na garagem. De manhãzinha indo trabalhar, olhou soturnamente em direção a estação e logo lembrou do ocorrido naquele fatídico dia: "Má eu lembro de que saí pur causa que o póprio..." (a pronúncia do perfeito português do homem que informava o horários dos trens a todos os mercantes da região, logo havia sido deturpado). Quando havia descoberto a verdadeira razão da sua demissão, algo que não ocorrera por culpa sua, logo seu olhar interrompeu seus pensamentos, Tochansky havia assumido seu lugar na cabine, mexia com todas as mulheres que passavam por ali, sua reação a tudo aquilo foi cabisbaixa e humilhada, dizem que se direcionou ao Marieta e pelo visto nunca havia sequer saído de lá.

Histórias como essa, outras piores, colocaram a trajetória daquele laboroso luso-imigrante com controvérsias como embriaguez, prostituição, facadas e ponta-pés. Todos os ali presentes já haviam desferido pelo um tapa na cara de Silveira, humilhado ele não se sentia entretanto excluído, entrava e saia do Marieta achando que todos eram seus amigos. Seu olho azul exalava sinceridade, a sinceridade de um bêbado (umbriaco). Antigamente declamava versos de Luís de Camões, orgulho épico pelas navegações, hoje era um ser perdido nas ruas tanto quanto bebia talvez muito mais quando trabalhava.

Logo se tornou carroceiro. Depois das dezenas de despejos, mas não há como pensar que os outros trabalhadores de carroça gostassem dele. Existe a História de que um deles havia oferecido whisky para ele. O inocente que nunca havia sorvido tal honroso e galante logo se debruçou na rua após secar a garrafa, mal sabia que havia tomado uma mistura insuportável de urina (mijo) com álcool automotivo. Frequentes eram os relatos de brigas onde nosso personagem saia com a cabeça quebrada, bucho cortado. Sua face (faccia) denunciava memórias desses acontecimentos, era como um museu de desgraças, cortes, esfolões, e uma cicatriz na nuca, esse era o seu saldo de mais de 30 anos de embriaguez deplorável pelas ruas de Ponta Grossa.

Naquela manhã, carregava garrafas de cerveja vazias com sua carroça e vendia num ferro-velho perto do esgotão, mas na verdade carregava o conteúdo daquelas cervejas na sua cabeça.

Logo chegava a mim a persona que era. Elias já havia vendido uma conversa de pepino azedo enquanto Silveira chamou sua atenção: "Ei Protuga, não jogue fora essa água salgada", e logo foi tomando a água daquele vidro de forma inssaciável. Vazava aos cantos da boca repugnante líquido, caindo sobre suas camisa desabotoada e surrada. O pó de sua vestimenta, inclusive, denunciava que aquele ser havia perambulado pelas ruas noturnas e solitárias da Princesa dos Campos. O rastro de poeira colocava à vista de todos, ele havia repousado seu corpo sobre alguma sargeta da cidade.

Seu cheiro fétido não destoava naquele bar, os salames esverdeados dependurados por cordinhas naquele varal sobre o balcão pareciam exalar um odor ainda mais desagradável e putréfico. Os comentários proferidos daquele homens não eram dos mais agradáveis, algo prescrito de um ser que já estava empadado em vinheto barato e vinagre azedo com sua barriga a mostra (por estar com a camiseta levantada sobre ela). "Olhe esses vagabundos do sindicato aí, querendo cobrar mais direitos só porque tão de ferroviário aí tudo ponposo, esses cara de sindicato são tudo uns bêbado". Toda aquela imagem do nascer do dia da classe operária, unida por seus braços, em seu semblante laboroso e desmorecido foi quebrada nas palavras daquela esbórnia figura.


Em meio a seu trabalho, carregando uma grade de pilsen. Logo havia caído de bêbado em frente ao balcão, não havia sobrado um casco, o chão do bar parecia um carnaval. Um dos integrantes daquele espetáculo gritou: "Poooorco, tinha que ser", mas essa não foi a única resposta, logo Silveira foi arrastado e chutado para fora do bar todo cortado pelos cacos de vidro sem poder se defender. Um dos frequentadores do bar logo saiu sem pagar, dando como desculpa o ocorrido.

domingo, 25 de outubro de 2009

Meia Noite Cigana em sangue

Relato de um Tropeiro de Viamão, 13 de Outubro de 1922.

Ponta Grossa, um beco perto ao Largo da Estação, 11:46 pm.


Barba afeita, saindo do hotel, noite fria avisto uma fogueira, me corre nos ouvidos os gritos escandolosos que combinavam-se ao som das batucadas de uma viola marota. O fétido odor de creolina se fazia representar nos vagões estacionados. Mais uma vez a visão do horizonte das ruas violentava minha visão, eu não fugia impune naquele vento que mais parecia um minuano, como se estivesse meio aos birivas (moradores da cerra).

A tropeirada invadiu o centro da cidade civilizada, juntamente com uma porção de personagens do Circo Stefanovitch que estava instalado ao leito dos trilhos indo pra as Oficinas (o bairro mesmo). O cheiro de vodka ucraniana e de carne mal curtida exalava aos arredores, a patrulha sabia o que acontecia, mas esperava o momento certo de intervir. Aquele beco parecia o Bunker dos vagabundos.

"A la pucha", eu a a vi, uma odalisca zingara (mulher cigana) começou a se desnudar ao olho de todos os homens que por ali passavam, sua badana (pele) era macia, una chinoca buenacha. Para além do rodeio daquela tropa em torno da fogueira, famílias ali passavam e viam com desprezo e asco vomitante o que me agraciava ver, aquela pinta ao lado de sua virilia. Tão sobressalente ao seu corpo morenado mouro. Aquele pontico provocava as maiores sensações no meu espiríto, sua honestidade era provada naquele sinal, dançava ela, dançava com toda inocência em meio a seus amigos que não possuíam um olhar pervertido sobre uma de suas irmãs. Aquele sinal da identidade se combinava ao seu cabelo liso escorrido, caspento em suas raízes e oleoso por todo seu comprimento.

A admiração daquela pintura paisana foi interrompida ao ladrar dos cachorros, anunciava-se... a caravana chegara, descendo o cacete em todo mundo, não se poupando frente a anões de picadeiro, ao palhaço ainda maqueado ou a velhos racticos... O sarrafo desceu, a pelea foi buena, o pau comeu, paulada na cara, chute no estômago, era uma luta bem desproporcional.

A caudilhada (polícia) carregava a bandeira nacional, estavam em 15, enquanto aqueles corpos desfavorecidos estavam em 7... A bruacada (gente feia) apanhou que nem guri grande, os uniformes azul-anis contrastavam com o sangue que escorria, a poeira levantava naquela cidade embarrada pelas chuvas da primavera. A carroça-camburão levou todos, até minha saudosa china (mulher bonita) e sua pinta sobrelevada.

*O relato é inspirado num boletim de ocorrência que se encontrado no acervo do Laboratório do Bloco de História da UEPG.