Hotel Planalto dos Campos Gerais - Quarto 13 - 15 de Setembro de 1933, 8:00 pm.Russos, poloneses, ucranianos, alemães e o italiano era eu. Esse era o cen

ário daquela Maria Fumaça, um cenário que abrangia parte do mundo, do velho mundo. Uma nova oportunidade agora, Brazile, precisamente uma cidade que me chamou a atenção pela belíssima construção ao alto de um morro, una
Cattedrale que me fixou no olhar suspiros e lembranças da minha infância e até me lembrou Roma.
Não... Aquilo não me lembrava perseguições que sofri na Itália, a saudade da família era devera, mas o labor me chamava...
Cheguei hoje a
"Cittá Civilittá", descido do trem vindo de Santos, me depar

o com algo um pouco
(pizzico) diferente da propaganda feita para trazer os imigrantes pra cá. Me agracio com a
ESTAÇÃO FERROVIÁRIA... Imponente e elevada, me questionei:
"Quantos trabalhadores (lavatores) como eu ela já não trouxe"?Como essa cidade deve tratar bem o trabalhador de fora, como deve ser hospitaleira, chega ao ponto de ter tão linda Estação sobre os trilhos...
Cabelo comprido, boina, calça xadrez, camisa regata e um sobretudo serviram de desconfiança ao Chefe da Estação que me olhou de um jeito estranho e de atravessado.
Pairou bem o dia, logo quando chego em frente ao Largo do
Ármazem de Cargas para me alistar como novo morador da vila, ouço um estrondo, a Fábrica de Fogos disponibilizou 50 caixas de rojões para o aniversário da cidade.
Aniversário da Ponta Grossa. A cidade fez um desfile, cavalos, políticos (ambos muito semelhantes), tropeiros em suas mulas, comerciantes, industriais... todos desfilavam numa Boulevardzona que cruzava a es

tação... De início parecia algo brilhante aos olhos, mas olhando melhor, percebia o fiasco que se estunchava em carroças e na exacerbação do sentimento nacionalista. Orgulho de erguer um tal Getúlio ao poder, aquilo me dava medo e muito me lembrava as celebrações de honra a Mussolini nas planícies de Predapio...
A imagem daquele homem era exageradamente erguida, mas ao contrário do que parecia, a população recebia aquilo de outra forma, ela não estava feliz. Parecia entender aquela mensagem como algo estanque, que deveria ser aceito guela abaixo, parecia obrigada a estar ali... E o que anteriormente era um desfile Cívico se tornou, abaixo dos meus olhos, melancólicamente, uma passeata assemelhada a um golpe militar. Aí vi um standarte:
"OS MILITARES DA CIDADE CIVILIZADA SAÚDAM A REVOLUÇÃO DE 1930", era o 13o. Batalhão de Infantaria...
Fiquei com medo!!! Corri, lembrando (1921) daquela assémbleia onde os
"camicias neras" (1) espancaram a mim e a outros cameratas (camaradas) só por estarmos participando das atividades do sindicato dos ferroviários. Esbarrei numa linda signorina e desde já disse:
me escusa (desculpe-me). Contraditória a sua beleza, reação foi avessa, nada falou, simplesmente me olhou dos pés a cabeça, um olhar de pouco olho
(poco occhio), um olhar de desprezo. Olhei para o outro lado da rua, vi uns ragazzos com umas camisas verdes me encarando de forma intimidadora.Resolvi continuar andando e fugir daquele ambiente nefasto.
Em São Paolo tanto parlavan de una tal Rua XV, e foi lá que fui parar. Com os joelhos estancados de subir uma ladeira, resolvi pedir parar num tal
"Café
Boulevard". Muito mal atendido, pelo menos o café estava com um bom aroma. Existiam alguns granfinos naquele lugar, todos, todos (!!!) me olhavam dos pés a cabeça, é, é, aquele olhar
poco occhio, respeitei pois parecia algo típico da população princesina... tratar os outros de tal forma, só pelo olhar, dizendo
"você não é daqui". E foi aí que fiz meu primeiro conhecido (como eu queria que tivesse sido aquela bela dona), um inglês, Stuart Julian.
Stuart possuía um relógio de bolso e olhava pra ele a cada 2 minutos. Seu cavanhaque era coçado e sua preocupação era evidente. Ele quis me tirar de lá, dizendo algo do tipo:
"aqui não é lugar pra operário (workman), olhe seus trajes". Foi saindo que me deslumbrei com uma construção naquela esquina, o
CINE TEATRO ÓPERA... Ahhh como eu gosto dum bom filme... Mas lá não pude entrar, apresentava-se já de manhã uma ópera só para a elite da cidade.
Um
outsider. Foi assim que Julian me definiu, pelo menos ele disse que Ponta Grossa me trataria como um. Até gostei do meu novo apelido
(soppranome).
Mas ele disse que todo imigrante era tratado daquela forma ali, me deixou na porta do Hotel onde fiquei de me hospedar até encontrar o dormitório...
Meu nome é Francesco Reale,
imigrante siciliano que veio buscar na cidade do corredor do gado uma forma de sobrevivência com charqueadas. Além de ter sido ferroviário, aprendi a lidar com madeiraria, mas agora me apresento como escritor nas horas vagas. Desejo falar de tudo que vejo nessa
Cittá Civilittá...
_____1 - Os camisas negras foi um movimento fascista liderado por Benito Mussolini na Itália Fascista, responsável por perseguir sindicalistas e intelectuais durante seu regime.